Dívida Interna III – Qual é a missão de uma nação?
O que são os juros da dívida? Mais do que uma remuneração pelo dinheiro emprestado, são, de acordo com a perspectiva discutida aqui, o valor que pagamos pelas vantagens econômicas ela nos traz. Por outro lado, é como dever para a máfia: enquanto eles acreditarem que você quer e está pagando a sua dívida, eles te protegem. Caso contrário... Vou chegando ao final desse raciocínio, que é o pagamento da dívida, pois, afinal, ninguém quer dever para a máfia (às vezes eles acordam de mau-humor...).
Nem sempre que a dívida aparentemente diminui ela foi efetivamente paga. Tudo depende do valor do dinheiro, determinado pela inflação. Assim, pagamos parte da dívida sempre quando a dívida cresce menos que a inflação. Ou seja, se a dívida de 100 reais passa para 102, por causa de juros, mas a inflação foi de 5%, então uma parcela da dívida (3 reais) foi efetivamente paga. Agora, se a inflação for de 1000% ao ano, a dívida desaparece em um piscar de olhos. É, mas com a dívida também morre a população, de fome e de frio, então nem credores nem devedores querem esse cenário. Para um fim mais ameno, teremos que fazer um esforço fiscal, um apertozinho aqui e acolá para ir roendo essa dívida aos poucos, deixando a inflação fazer sua parte, mas sob controle, para não prejudicar as camadas mais pobres da população. É aí que entra o tal “superávit primário”.
O superávit primário é o total de recursos que o governo coloca em baixo do colchão para para pagar parte da dívida. O problema é que nos últimos anos o nosso superávit não tem sido suficiente para pagar sequer os serviços da dívida (que inclui, mas não é limitado, aos juros). A diferença acaba sendo acumulada no montante, e o resultado é que a dívida vai crescendo exponencialmente. E aí, como pagar?
Nosso problema é, concordo, administrativo. Decisões politiqueiras têm levado a investimentos em estradas que se decompõem após as eleições, hospitais que não têm médicos, escolas que não têm professores. Isso sem contar a corrupção, não me arrisco. Esses são os investimentos que levam qualquer um à falência! Essa dívida só pode ser controlada se alocarmos nossos recursos, nosso PIB, em investimentos que nos renderão mais que o que a dívida nos custa, ou seja, a diferença entre juros e inflação.
Mas vejamos um exemplo recente, e que é o fato motivador desse texto. Em dezembro de 2007, de acordo com dados do Banco Central, a dívida líquida do setor público totalizava 1.15 trilhão de reais, enquanto em janeiro de 2008 esse total se reduziu para R$1.14 trilhão. Redução bruta, portanto, de aproximadamente 10 bilhões de reais, ou pouco menos de 1%. Entretanto, essa redução é ainda maior pois temos que subtrair a inflação do período, que foi de aproximadamente 0.4%. O total da dívida em janeiro, corrigido pela inflação deveria ser, portanto, de R$ 1.19 tri. A diferença agora é, portanto, de R$ 50 bi. Em termos reais, a dívida teria sido reduzida em 4%!
Se você concorda com minha estupidez, está começando a pensar que a nossa dívida interna é na verdade um poderoso lastro para toda a economia, como um refém. Se a inflação disparasse a dívida diminuiria. Se o real se valorizar, entretanto, a dívida cresce, mas também cresce a economia como um todo, aumentando o consumo, emprego e a qualidade de vida da população. Novamente, nenhuma novidade aqui: os EUA estão usando sua dívida como refém há mais de duas décadas! O problema deles é que, agora, a máfia está de mau-humor.
Enfim, o problema não é a dívida em si, pois se você pega 100 reais emprestado, e com eles consegue gerar 50 reais por mês, não há nada de errado em dever. É o risco do empreendedorismo, afinal. Nossas décadas perdidas, entretanto, vieram do mau-uso dado a esses recursos captados aqui e no exterior. Nossos representantes investiram em seus projetos pessoas, não no nosso país. Conseqüentemente, esses investimentos geraram ainda mais despesas, ao invés de produzir recursos, ainda que a longo prazo, para ajudar no pagamento das dívidas. Mas quais são os investimentos que geram lucro para um país?
Acho irritantes aquelas plaquinhas onde se lê a declaração da missão de empresas. Sempre falam em “qualidade do produto”, “satisfação do cliente”, ou economizam nas palavras, como a célebre “informação na ponta dos dedos”, missão da Microsoft. Todas elas ocultam a principal sentença, que deveria ser inicial: “Ganhar dinheiro por meio de...”. E poderia muito bem parar na segunda palavra, pois é essa a verdade para muitas. Embora espere que um dia empresas incluam itens como “crianças tiradas das ruas”, “rios despoluídos” ou “mortes por intoxicação evitadas” em seus relatórios anuais, atualmente isso não ocorre. Assim, para empresas que visam única e exclusivamente o lucro, aquele quadradinho no canto direito inferior do relatório, é fácil determinar se um investimento é bom ou ruim. Para um país não é simples.
Qual é a missão de uma nação? Não ousaria tentar responder, mas posso falar do que gostaria de ser parte da missão de minha nação. Longe dos carros novos, das grandes televisões te cristal líquido e telefones celulares que tocam música, imagino que a missão de uma nação deva se aproximar dos que não têm tais opções, mas ao contrário, tomam suas decisões cotidianas pensando em termos de sobrevivência. Portanto, investir em educação, saúde, condições de vida é exatamente o que irá fortalecer o país, aumentar a confiança na nossa nação e da nossa nação em si mesma. Assim nossa economia irá se desenvolver como uma criança ao dar seus primeiros passo, ao invés de crescer como um câncer. Concordo que essa é uma total inversão de valores para uma sociedade que tende a ir no sentido oposto... mas a atual crise econômica pode ser uma oportunidade para essa reflexão.