Tuesday, March 25, 2008

Dívida Interna III – Qual é a missão de uma nação?

O que são os juros da dívida? Mais do que uma remuneração pelo dinheiro emprestado, são, de acordo com a perspectiva discutida aqui, o valor que pagamos pelas vantagens econômicas ela nos traz. Por outro lado, é como dever para a máfia: enquanto eles acreditarem que você quer e está pagando a sua dívida, eles te protegem. Caso contrário... Vou chegando ao final desse raciocínio, que é o pagamento da dívida, pois, afinal, ninguém quer dever para a máfia (às vezes eles acordam de mau-humor...).

Nem sempre que a dívida aparentemente diminui ela foi efetivamente paga. Tudo depende do valor do dinheiro, determinado pela inflação. Assim, pagamos parte da dívida sempre quando a dívida cresce menos que a inflação. Ou seja, se a dívida de 100 reais passa para 102, por causa de juros, mas a inflação foi de 5%, então uma parcela da dívida (3 reais) foi efetivamente paga. Agora, se a inflação for de 1000% ao ano, a dívida desaparece em um piscar de olhos. É, mas com a dívida também morre a população, de fome e de frio, então nem credores nem devedores querem esse cenário. Para um fim mais ameno, teremos que fazer um esforço fiscal, um apertozinho aqui e acolá para ir roendo essa dívida aos poucos, deixando a inflação fazer sua parte, mas sob controle, para não prejudicar as camadas mais pobres da população. É aí que entra o tal “superávit primário”.

O superávit primário é o total de recursos que o governo coloca em baixo do colchão para para pagar parte da dívida. O problema é que nos últimos anos o nosso superávit não tem sido suficiente para pagar sequer os serviços da dívida (que inclui, mas não é limitado, aos juros). A diferença acaba sendo acumulada no montante, e o resultado é que a dívida vai crescendo exponencialmente. E aí, como pagar?

Nosso problema é, concordo, administrativo. Decisões politiqueiras têm levado a investimentos em estradas que se decompõem após as eleições, hospitais que não têm médicos, escolas que não têm professores. Isso sem contar a corrupção, não me arrisco. Esses são os investimentos que levam qualquer um à falência! Essa dívida só pode ser controlada se alocarmos nossos recursos, nosso PIB, em investimentos que nos renderão mais que o que a dívida nos custa, ou seja, a diferença entre juros e inflação.

Mas vejamos um exemplo recente, e que é o fato motivador desse texto. Em dezembro de 2007, de acordo com dados do Banco Central, a dívida líquida do setor público totalizava 1.15 trilhão de reais, enquanto em janeiro de 2008 esse total se reduziu para R$1.14 trilhão. Redução bruta, portanto, de aproximadamente 10 bilhões de reais, ou pouco menos de 1%. Entretanto, essa redução é ainda maior pois temos que subtrair a inflação do período, que foi de aproximadamente 0.4%. O total da dívida em janeiro, corrigido pela inflação deveria ser, portanto, de R$ 1.19 tri. A diferença agora é, portanto, de R$ 50 bi. Em termos reais, a dívida teria sido reduzida em 4%!

Se você concorda com minha estupidez, está começando a pensar que a nossa dívida interna é na verdade um poderoso lastro para toda a economia, como um refém. Se a inflação disparasse a dívida diminuiria. Se o real se valorizar, entretanto, a dívida cresce, mas também cresce a economia como um todo, aumentando o consumo, emprego e a qualidade de vida da população. Novamente, nenhuma novidade aqui: os EUA estão usando sua dívida como refém há mais de duas décadas! O problema deles é que, agora, a máfia está de mau-humor.

Enfim, o problema não é a dívida em si, pois se você pega 100 reais emprestado, e com eles consegue gerar 50 reais por mês, não há nada de errado em dever. É o risco do empreendedorismo, afinal. Nossas décadas perdidas, entretanto, vieram do mau-uso dado a esses recursos captados aqui e no exterior. Nossos representantes investiram em seus projetos pessoas, não no nosso país. Conseqüentemente, esses investimentos geraram ainda mais despesas, ao invés de produzir recursos, ainda que a longo prazo, para ajudar no pagamento das dívidas. Mas quais são os investimentos que geram lucro para um país?

Acho irritantes aquelas plaquinhas onde se lê a declaração da missão de empresas. Sempre falam em “qualidade do produto”, “satisfação do cliente”, ou economizam nas palavras, como a célebre “informação na ponta dos dedos”, missão da Microsoft. Todas elas ocultam a principal sentença, que deveria ser inicial: “Ganhar dinheiro por meio de...”. E poderia muito bem parar na segunda palavra, pois é essa a verdade para muitas. Embora espere que um dia empresas incluam itens como “crianças tiradas das ruas”, “rios despoluídos” ou “mortes por intoxicação evitadas” em seus relatórios anuais, atualmente isso não ocorre. Assim, para empresas que visam única e exclusivamente o lucro, aquele quadradinho no canto direito inferior do relatório, é fácil determinar se um investimento é bom ou ruim. Para um país não é simples.

Qual é a missão de uma nação? Não ousaria tentar responder, mas posso falar do que gostaria de ser parte da missão de minha nação. Longe dos carros novos, das grandes televisões te cristal líquido e telefones celulares que tocam música, imagino que a missão de uma nação deva se aproximar dos que não têm tais opções, mas ao contrário, tomam suas decisões cotidianas pensando em termos de sobrevivência. Portanto, investir em educação, saúde, condições de vida é exatamente o que irá fortalecer o país, aumentar a confiança na nossa nação e da nossa nação em si mesma. Assim nossa economia irá se desenvolver como uma criança ao dar seus primeiros passo, ao invés de crescer como um câncer. Concordo que essa é uma total inversão de valores para uma sociedade que tende a ir no sentido oposto... mas a atual crise econômica pode ser uma oportunidade para essa reflexão.

Wednesday, March 19, 2008

Fed muito por aqui

Eu me enganava quando pensava que poderia aprender sobre economia lendo as notíciais diárias sobre o assunto, enquanto procurava em artigos especializados entender os fundamentos. Essa estratégia não funciona, pois as notícias não têm o mínimo respeito por fundamento algum. Outro erro foi pensar que os fundamentos da economia tinham base na lógica matemática. Ledo erro: a base da economia é a psicologia de massas.

Ontem o Fed cortou a taxa de juros em 0.75 pontos, para 2.25%aa. A inflação oficial é de menos de 4%, o que significa que os juros reais são negativos, na casa de quase -2%aa. Ou seja, há um estímulo de 2% ao ano para que se pegue dinheiro emprestado.

O resultado da atuação do Fed na bolsa foi estrondoso, ao menos ontem. Com mais dinheiro disponível no mercado, a bolsa de valores de NY subiu impressionantes 4%. A imprensa regozija-se na glória ao Deus do Capital. Hoje pela manhã, começam a vir notícias menos animadoras. O mercado acorda recalcitrante: após refletir sobre o assunto durante a noite, investidores já estão menos dispostos a apostar. No Washington Post, alguém levanta a questão: E se o Fed falhar? Bom, se falhar, aí danou tudo. Mas a resposta é que o Federal Reserve tem falhado. Nos últimos 6 meses estão usando de todas as cartas que têm nas mangas, e a economia continua indo para o ralo. Hoje o mercado vai voltar a cair, provavelmente não 4%, mas cairá. E alguém vai procurar achar uma razão, como as enchentes no Sul dos EUA, guerra no Iraque, instabilidade na Venezuela, reservas de gasolina baixas... o de sempre. Mas não importa por que o vento mudou, importa? Ajuste as velas. E reze para não parar de ventar.

O fato é que somente no mercado imobiliário perderam-se uns 2 trilhões de dólares. Como ninguém quer pagar essa conta, quem não conseguir pagar a prestação da sua casa e os impostos de propriedade (altíssimos por aqui, e merecerão um artigo depois) começarão a colocar suas propriedades à venda. Com a alta demanda a desvalorização então vai passar de 2 para sabe-se lá quantos trilhões de dólares. O Fed não tem como bancar isso. Todo mundo vê esse cenário, mas as consequências seriam tão catastróficas que ninguém quer acreditar. Mas, como eu disse, penso que o que manda na economia é a psicologia de massa, a alma humana, esse enigma. A crise só passará quando a população mudar de atitude, reavaliar seus valores, resgatar seus princípios morais, corroídos pela cultura do topa-tudo-por-dinheiro, fomentada pela aristocracia dominante. É preciso um líder que não está disponível no momento, eles não têm um Lula, um Kennedy; têm o Bush.

Têm Obama também, mas ele vai demorar a chegar. Se chegar. Ele pode falar com os únicos que podem sustentar a mudança (como o Kennedy fazia todas as manhãs), a parte mais afetada da população: não só em média mais pobre, mas também em média de pele mais escura, mais obesa, menos instruída, que trabalha em média, muito mais e que paga, em média, a maior parte da conta embora receba, em média, muito menos. Quanto mais sofrimento será necessário para causar a necessária mudança de paradigmas?

Tuesday, March 18, 2008

Dívida Interna II – A fantástica fábrica de moedas de chocolate

Primeiramente, vamos definir algumas variáveis em nossa análise, enfatizando obviamente naquelas que diferenciam a dívida externa da dívida interna. Talvez mais importante, a dívida interna aumenta com a valorização do real, enquanto a externa diminui. Isso pode parecer ruim, pois todos hoje, enfim!, percebem a trajetória de queda do dólar. Entretanto, a eliminação da dívida externa, mesmo que com o aumento do endividamento interno pode estar sendo justamente o que faz com que a Bovespa esteja operando em índices recorde, enquanto as bolsas mundiais amargam uma média de 15% de perdas no último semestre.

Essa hipótese explicaria, por exemplo, por que o governo fez tantas operações para "trocar" a dívida externa pela interna, ou seja, pagamos o que devíamos em dólar mas devemos em Reais, embora nossas taxas nominais de juros (internas) sejam maiores que aquelas cobradas no exterior.

Então chegamos à famigerada taxa de juros. A dívida interna é um argumento muito grande que mostra o interesse do governo em baixar os juros internos. Imagine quanto o país não economiza toda vez que o BC reduz a Selic em .25% aa. Me parece um argumento e tanto!

Comparo essa dívida aos custos da guerra no Iraque aos cofres estadunidenses. Essa guerra é financiada com papel, não é dinheiro de verdade. De verdade é esse dinheiro que eu e você ganhamos, ao menos de vez em quando, que poderia muito bem ser substituído por "horas trabalhadas". (Exemplo: para comprar um sapato novo, eu preciso trabalhar 45 minutos.) A guerra é paga pelo governo com dólares que são "impressos", dados à Halliburton e Lockheed Martin em troca de tanques e caças, e como pagamento de milhões de pessoas envolvidas no complexo militar-industrial. As forças armadas também recebem uma pilha de notas para contratar mais soldados, ao ponto desses aliciadores de menores serem vistos em todo “Shopping Mall” domingos à tarde. Não podemos deixar de mencionar a Blackwater, que contrata seus mercenários ao custo mínimo de 60 mil dólares ao ano; e assim faz-se a guerra.

Todo esse dinheiro é todo, ou quase todo, gasto dentro do país, mantendo essa máquina se movendo, cada vez mais rápido. Reparou por que não compram armamentos da China ou Indonésia? Vista dessa forma, a invasão do Iraque foi o primeiro pacote de estímulo econômico, agora seguido pelo envio de 150 bilhões de dólares-papel como presente (literalmente) para os cidadãos estadunidenses.

Quando o governo brasileiro contrata uma empresa para construir digamos, uma, universidade (permita-me a luxúria do exemplo), esse contrato passa a ser parte da dívida pública até que o valor total do contrato seja pago. Esse dinheiro, portanto, gerará empregos dentro do país durante a construção, empregos depois que a Universidade ficar pronta, a obra traz os benefícios esperados para a sociedade e, por fim, temos uma dívida em Reais, com as vantagens e desvantagens que discutimos acima. Esses recursos gerados internamente, como os empregos, a capacitação profissional, todos contribuem para o aumento da capacidade de pagamento do país, e devem ser descontados dos juros previstos no contrato inicial.

Essa característica, entretanto, é comum a qualquer investimento feito pelo governo, independente de quem estar emprestando ser uma empresa nacional ou um banco suíço. A diferença ocorre na hora do pagamento. Quando o governo paga sua dívida externa ocorre uma redução de moeda estrangeira no mercado, e o valor do real é corroído. Isso não ocorre quando a dívida é paga em reais, obviamente, mas essa não é a única vantagem. O pagamento do contrato à empresa brasileira, que seja um banco, é parte do produto interno bruto, que é o ponto crítico de controle da saúde da economia. Esses recursos permanecem no país e aqui gerarão mais dividendos, em reais.

A linha que conecta todos esses exemplos é simples: produzir valor e imprimir papel são duas coisas completamente diferentes. Guerras e investimentos em infra-estrutura interna foram e serão usados como forma de produzir valor, ou seja, uma maneira de dar “sustança” ao dinheiro impresso. Óbvio? Sim claro... mas por alguma razão, não é o que parece quando os especialistas aparecem na televisão falando do aumento do endividamento interno! Por que não comparam o endividamento à redução na taxa de desemprego, aumento do valor do real, redução da inflação? Simplesmente criticar o endividamento interno, sem analisar a situação econômica globalmente é, enfim, inútil. É como dizer que dever 200 milhões de dólares é muito. Ora! Mas se você adquiriu essa dívida para comprar um prédio que vale 1 bilhão, e usou como garantia de pagamento dívidas que pessoas desempregadas têm contigo, o negócio já não parece tão ruim...

Monday, March 17, 2008

Obra de arte

A obra de arte escrita por Pedro Porfírio na Tribuna da Imprensa de hoje é imperdível.

Mas claro, é só filosofia...

"É certo que nada faço sem pensar. Só não garanto se antes ou depois."

Thursday, March 13, 2008

Dívida interna I - A república de bananas

Tenho a impressão atualmente que a economia não é nem mesmo uma ciência em si, mas uma especialidade da psicologia de massas. Talvez por isso mesmo, embora leigo, não me envergonhe ao tentar entender os mecanismos por trás do mundo das finanças. Na verdade, aproveito-me do fato que ninguém me chamará de especialista para falar todas as besteiras que me parecem sensatas.

Sendo assim, por que me limitaria a falar de coisas simples? Vou explorar a dívida interna brasileira. Esse assunto na verdade, me parece bastante seguro: poucos poderiam dizer que estou errado, já que nem mesmo os especialistas no assunto parecem concordar em torno dos detalhes mais básicos. Alguém poderia sugerir que todos concordariam que dever é ruim, mas mesmo nesse ponto há controvérsias, e é justamente em torno dessa idéia que abordo o assunto.


Recentemente (e pela segunda vez, se não me falha a memória) o governo comemorou que passamos finalmente a ser credores externos, ou seja, nossas reservas são maiores que nossa dívida externa. Como conseguimos alcançar esse patamar mágico? Como a dívida externa é cotada em moeda estrangeira (leia-se dólares) temos duas formas de acumular recursos para pagá-la: através da venda de produtos a outros paises e compra de dólares no mercado financeiro ou através da venda de títulos em reais para investidores estrangeiros.

O Brasil, essa muito bem comportada colônia, é primariamente exportador de bens primários, que hoje ganharam o sofisticado apelido de commodities, ou seja, minérios, milho, soja, petróleo, dentre outros. Aqui, para honrar nossa língua e tradição tupiniquim, continuaremos a chamar esse grupo de produtos cujos preços são determinados no mercado financeiro mundial de bananas. Sendo assim, continuamos a ser uma república de bananas, o que é melhor que nos tornar uma nação de acomodados, em minha humilde opinião.

Mas o fato é que o preço da banana tem aumentado muito, principalmente devido à alta demanda (desde que experimentaram banana, os chineses não pensam outra coisa) e a desvalorização do dólar. A apreciação do Real possibilita também que o governo emita títulos denominados em reais, ou seja, o governo vende notas de 100 reais pela bagatela de 50 dólares. Mas o detalhe é que essas “notas” só serão transformadas em dinheiro de verdade daqui a dez anos. O investidor, portanto, está apostando que mais valem 100 reais amanhã do que 50 dólares hoje. O governo está contando que o investidor vai se empenhar para que isso se torne realidade...

Os recursos gerados com a venda de bananas e a venda de títulos possibilita ao governo conter um pouco a queda do dólar no mercado interno, comprando a divisa que passa a fazer parte de nossas reservas internacionais. Dessa forma, ao menos em um certo nível, estamos trocando uma dívida por outra, ou seja, uma dívida em dólares por uma dívida em reais. Será que isso faz sentido? Ora, os juros em dólares são menores, e o dólar está em queda-livre. Qual é a vantagem dessa transação para o Brasil? Embora não seja tão evidente, minha hipótese é de que há grandes vantagens. Tentarei justificar essa idéia nessa série de artigos que dedico ao meu fiel companheiro, Sancho Pança.

Tuesday, March 04, 2008

Bomba suja

No mesmo dia em que a Colômbia afirma que as Farc tentavam conseguir material radioativo a PF apreende minério radioativo sendo contrabandeado no Amapá.

Acho improvável que se possa obter suficiente material radioativo para construir uma bomba por meio de contrabando de sacolas de torianita, ainda mais a R$300 o quilo. Mas ainda assim gostaria de saber quem é que estava comprando o material do Sr. Wilson Sicçu do Nascimento... se alguma parte disso for verdade, claro.

De qualquer maneira, uma coisa é certa: essas duas notícias não saíram no mesmo dia por acaso. É só esperar, desse mato sai coelho.