Thursday, June 05, 2008

Pasárgada - I

Quando lemos a respeito da Idade Média européia certamente nos defrontamos com descrições do terrível sofrimento imposto sobre a classe trabalhadora por uma elite cruel, gananciosa, desumana: a "nobreza" que se mantinha no poder vendendo a idéia de que protegiam o povo da ameaça externa e a Igreja que se mantinha no poder vendendo a idéia de que protegiam o povo da ameaça Divina.

De vez em quando arrumavam uma crise para justificar o aumento de impostos: o povo tinha que trabalhar cada vez mais para sobreviver e sustentar seus opressores. Esses, por sua vez, não julgavam precisar fazer sacrifícios quando os recursos começavam a faltar, e é por isso mesmo que eram chamados tiranos.

Gostaria de me transportar para a mente daquelas pessoas que se submetiam a tamanha injustiça. Às vezes tento: imagino como líderes que discordavam desse sistema de opressão eram ridicularizados pelo próprio povo, que, em massa, rendiam oferendas ao rei, aplaudiam as caravanas, admiravam as mãos de seda das princesas... como acabavam por acreditar nessa fantasia que tanto lhes prejudicava. Como se aterrorizavam em pensar em alternativas, como se convenciam de que precisavam de um líder com punho de ferro para manter a ordem! Como esses governantes e clérigos conseguiam isso? Então me assusto ao perceber que nosso cotidiano não difere muito de nosso passado!

Mas há um erro nessa interpretação do problema. Essa pergunta parte do princípio de que as mesmas pessoas (ou o mesmo grupo, clãs, famílias, o que for) SEMPRE estavam no poder. E isso não é, necessariamente, verdade. Há sim uma certa alternância no poder, mesmo em monarquias. Reis, por exemplo, não viviam por muitos anos. Dinastias tinham seu início e seu fim. Mas parece haver uma análise comum que permeia toda a história: o poder na mão de poucos, que eventualmente passam a se julgar superiores, pertencentes a uma elite, e merecedores dos sacrifícios do "seu" povo para serem mantidos no poder. Com o tempo, a elite parasitária se torna cada vez mais inútil, pesada, improdutiva. Aumenta o aperto sobre o povo, dada a decadência da forma como os assuntos domésticos são tratados pela nobreza. Com isso, eventualmente a insatisfação leva a uma mudança no poder, e o ciclo se reinicia. Devemos pensar, portanto em uma "elite dinâmica". E pensando dessa forma, a pergunta anterior perde o sentido: se uma dinastia é derrubada, é justamente porque não conseguiu manter o povo sob suas rédeas.

Há excessões? Acho que sim, possivelmente muitas. Talvez nem seja adequado generalizar demais. Parece-me, por exemplo, que as dinastias na Àsia duram milênios, embora o último século possa ter sido um pouco diferente. De qualquer forma, podemos analisar um fator comum nesses sistemas de governo? Arrisco-me a perguntar: por que uma elite é melhor que a outra?

Orwell certamente achava que não há diferença. "Às vezes é preciso uma grande revolução para garantir que as coisas ficarão exatamente como sempre foram". Idéia tentadora . E me parece ser exata ao menos quando a revolução é movida por interesses individuais, egoístas. Por exemplo, se um povo entra em conflito com seu governo porque está faminto, não há quem vá julgar essas pessoas por isso. Mas por que não houve uma revolução antes de se chegar a esse ponto? Por que não houve uma mudança de curso quando as pessoas viram seus vizinhos em dificuldades?

Uma revolução movida à fome, portanto, é muito frágil. Não é baseada em princípios, e pode ser resolvida facilmente: basta alimentar o povo. Qualquer imbecil que tenha como fazer isso imediatamente, ou qualquer um que possa convencer ao povo de que irá alimentá-lo, pode assumir o trono. E não podemos deixar de considerar aqueles que genuinamente acham que têm a solução, ou que sejam A solução. Também esses, portanto, acreditam ser especiais, grandes líderes, pertencentes a uma elite que é capaz de mudar o destino de seu povo...

Seria possível uma mudança baseada em princípios? Acredito que sim, mas não em larga escala. Não aconteceria ao nível de nações com milhões de pessoas, mas em comunidades isoladas. É interesse daqueles no poder que essas mini-revoluções não ocorram, pois seu poder está em jogo. As elites agem ativamente para eliminar as sementes dessas revoluções comunitárias, mas não abertamente. Ninguém estará confabulando sobre como evitar que uma comunidade se torne independente, mas as ações de cada indivíduo dentro dessa elite é fortemente influenciada por sua ojeriza àqueles que não se conformam ao seu modelo de sociedade. Essas pequenas inclinações se disfarçam em discursos de justiça social, ou soberania nacional, ou moral social (!!!) e acabam culminando em grandes movimentos para que sejam esses movimentos ignorados e menosprezados por todos. Eventualmente, aniquilados pelo poder central. Exemplos? Ah, me poupe...

Claro que há uma solução para esse impasse, vamos encontrá-la. Aliás, há milhares de possíveis soluções, vamos procurar a melhor. Uma que vá resolver o problema sem criar outro, e que seja capaz de se adaptar aos conflitos seguintes. Esses conflitos acontecerão em um ambiente totalmente diferente, e não podem ser previstos no nosso modelo atual. Talvez até já existam, mas estamos tão afundados em nossos problemas atuais que não são detectados, ou entendidos.