Tuesday, September 27, 2005

Morte e Vida Severina

"Somos todos severinos
Iguais em tudo na vida
Na mesma cabeça grande
Que a custa é que se equilibra
No mesmo ventre crescido
Sobre as mesmas pernas finas
E iguais também porque o sangue
Que usamos tem pouca tinta.

E se somos severinos
Iguais em tudo e na vida
Morremos de morte igual
Mesma morte severina
Que é a morte de que se morre
De velhice antes dos trinta
De emboscada antes dos vinte
De fome um pouco por dia.
De fraqueza e de doença
É que a morte severina
Ataca em qualquer idade
E até gente não nascida.

Somos todos severinos
Iguais em tudo e na sina
Há de abrandar estas pedras
Suando-se muito em cima
Há de tentar despertar
Terra sempre mais extinta
E há de tentar arrancar
Algum roçado das cinzas.
Mas para que nos conheçam
Melhor essas senhorias
E melhor possam saber
A história de nossa vida:
Somos todos severinos
Que pelo planeta emigra”.

João Cabral de Melo Neto

Monday, September 26, 2005

Rastros

O sonho que eu tive essa noite
Foi um exemplo de amor
Sonhei que na praia deserta
Eu caminhava com Nosso Senhor

Ao longo da praia deserta
Quis o Senhor me mostrar
Cenas por mim esquecidas
De tudo que fiz nesta vida
Ele me fez recordar

Cenas das horas felizes
Que a mesa era farta na hora da ceia
Por onde eu havia passado
Ficaram dois pares de rastros na areia

Então o Senhor me falou:
Em seus momentos passados
Para guiar os meus passos
Eu caminhava ao seu lado


Porém minha falta de fé
Tinha que aparecer
Quando passavam as cenas
Das horas mais tristes de dor do meu ser

Então ao Senhor reclamei
Somente meu rastro ficou
Quando eu mais precisava
Quando eu sofri e chorava
O Senhor me abandonou

Naquele instante sagrado
Que Ele abraçou-me dizendo assim:
Usei a coroa de espinhos
Morri numa cruz e duvidas de mim

Filho, esses rastros são meus
Ouça o que vou lhe dizer:
Nas suas horas de angústias
Eu carregava você