Friday, February 24, 2006

Coragem

Essa semana ouvi muito sobre coragem. O curioso é que ninguém pronunciou essas palavras, mas todos falavam sobre coragem. E corajoso não é aquele que não sente medo, mas o que se dispõe a enfrentá-lo. Tampouco é corajoso o inconseqüente: não há valor em um corajoso morto. Mas o covarde, esse sim é fácil de definir.

Covarde é aquele que se esconde atrás da fingida ignorância, ou atrás de argumentos coletados após a sua atitude, ou falta dela. Uma frase típica do covarde é o tão comum: "Eu já sabia.". E a resposta que os seus colegas covardes nunca lhe dão (embora pensem nela muita vezes, mas disfarçam): "Sabia e não fez nada...".

O covarde normalmente dispõe de algum poder, pode ser o professor, político ou o chefe. Há também as situações que parecem premeditadas para escancarar a covardia de um indivíduo, que esperdiça a oportunidade de um grande problema com grande facilidade. Isso se tivesse um mínimo de coragem. Covardia parece ser sempre fruto do desequilíbrio entre poder e responsabilidade. Pode-se delegar grandes poderes, mas a responsabilidade não vem junto.

Responsabilidade é adquirida no berço, quando o pai diz ao filho que terá que trabalhar pagar a conta do cartão de crédito ou limpar sua bagunça na cozinha. Muitos jamais são expostos a esse aprendizado, e esses raramente chegam à idade adulta sem causar sérios transtornos. Alguns aprendem com esses problemas; outros sequer são expostos às conseqüências de suas lambanças, e acabam sendo selecionados para os quadros mais elevados de alguns partidos políticos. Como grandes covardes que são, escondem-se atrás das palavras ásperas e dos vidros à prova de balas. E realmente diriam que lutaram muito para chegar onde chegaram: claro que não vão assumir que simplesmente não enxergam a conseqüência do que fazem ou não fazem. Esses de quem falo estão por todos os lados e nem são levados muito a sério. Muitas vezes são fantoches nas mãos dos realmente mal-intencionados, uns bobos. Mas há aqueles que realmente se esforçaram para atingir seus objetivos, que merecem os frutos do seu trabalho, mas ainda assim, estão paralisados pelo medo.

Tenho visto muito destes no meio acadêmico. Cientistas exemplares, currículos ricos, diversidicados, mentes brilhantes, e covardes. Rotineiramente seus estudantes encontram-se apreensivos, inseguros, tensos. Os resultados só vêm depois de muitas noites sem dormir, finais de semana perdidos e um grande afastamento da vida normal (onde estão a família, amigos, sol, café-da-manhã). E auto-estima reduzida a zero, invariavelmente. Serão esses estudantes os orientadores de amanhã, que terão sua baixa auto-estima convertida em covarde revanche contra seus futuros orientados, e então o ciclo se auto-alimenta. Os atores mudam, os personagens e o texto são os mesmos. O grande espetáculo da ciência movida a vidas vividas pela metade continua.

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