Tuesday, December 13, 2005

Cem!

Após mais de um ano esse diário de um jeca perdido em Noviórque alcança cem visitantes. Impressionante!

Bom, que seja, não escrevo aqui para entrar para o livro dos recordes mesmo. Na verdade, nem sei porque escrevo aqui. Ou melhor, sei porque, escrevo porque gosto, só não sei porque gosto. Aliás, a maioria das coisas que faço têm a mesma razão: faço porque gosto, me satisfaz. Gosto de microbiologia, gosto de endireitar pilhas de artigos, gosto de ver os eventos acontecerem, gosto de ter que pensar no meu horário, gosto de viver no limite.

Por alguma razão, se me perguntam porque faço isso ou aquilo, acabo dizendo que é pelo bem da raça humana, pela organização do laboratório, para as vacas produzirem mais, para os laticínios poluírem menos... Não minto quando digo isso, mas a verdade é que nunca teria vindo para esse cafundó gelado simplesmente por um canudo a ser colocado em baixo do braço. Também não estaria perdendo os cabelos para conseguir entender a seqüência de eventos da iniciação da replicação em E. coli, se não fosse por isso: eu gosto.

Há coisas que eu não gosto, e as provas certamente estão no topo da lista. Quinta-feira o mané do Roberts vai me perguntar a função de RecA, e eu vou responder a função de CreA, e vou levar zero. Ele vai me dar zero porque dei a resposta errada, e eu vou ficar tentando convencer ao mundo que foi ele quem fez a pergunta errada.

Aliás, por tocar no tema do aprendizado, recebi por e-mail uma reportagem estarrecedora. Trata-se de uma pesquisa feita na Universidade de Yale, em New Haven, Connecticut. Primeiro, um grupo de escoceses estudou o aprendizado dos chimpanzés. Pois é, eles aprendem. Mostrou-se comida aos macaquinhos de imitação, então colocou-se o alimento em uma caixa fechada por uma alavanca. Embora para abrir a porta bastasse simplesmente mover a alavanca, os cientistas abriam a caixa em frente aos chimpanzés usando vários passos desnecessários, como sacudir, bater, dar três pulinhos. Quando a caixa era revestida de material fosco, os chimpanzés, ao terem acesso à caixa, iriam abrir a caixa usando a mesma tática besta usada pelos cientistas, incluindo duas ave-marias voltados para Meca. Surpreendentemente, se a caixa era transparente, os danados conseguiam ver a alavanca travando a porta, entendiam o mecanismo de abertura, davam uma banana para Nossa Senhora e iam direto destravar a porta!

Impressionante não? Pois é, esse foi o experimento feito na Escócia, ainda não cheguei a New Haven. Um estudante de doutorado em psicologia (Derek Lyons, vamos dar-lhe os créditos) resolveu fazer o mesmo tipo de experimento com outra espécie de macacos, que falam, e pensam, logo poluem: os Homo sapiens. Seu primeiro teste foi já bastante assustador: as crianças não aprendiam a abrir a porta quando lhes eram dadas as caixas transparentes! Imaginem, continuavam batendo na caixa, dando três pulinhos, fazendo oferendas a Iemanjá, mesmo vendo a maldita alavanca!

Provavelmente, depois de mostrar esses resultados a seu orientador, este finalmente mostrou algum interesse pelo projeto e então sugeriu alguns novos experimentos. Certo da superioridade dos humanos, lançou a hipótese de que as crianças estavam somente se distraindo com a brincadeira de sacudir e bater na caixa. Essa falhou, pois se não havia brinquedinhos dentro das caixas as crianças nem ligavam. Para sua infelicidade, tentou outra hipótese, então: a criança simplesmente não podia, ainda, entender o mecanismo de funcionamento da porta. Ora, isso faz muito sentido, uma vez que todos nós sabemos que o cérebro humano, assim como o organismo humano, por sua complexidade e superior formatação, demora mais que os outros animais para se desenvolver.

Para provar a hipótese, bastaria mostrar que uma criança que nunca tinha sido mostrada à caixa transparente, não conseguiria abri-la. Ponto para os humanos (ufa!): quando lhes foram mostradas as caixas transparentes, a criançada não titubeou, abriu a caixa e pegou a banana, digo, o brinquedo que havia dentro da caixa.

Infelizmente, hora de analisar os resultados: os jovens seres humanos imitavam os cientistas com o ritual de abertura das caixas, embora pudessem abri-las de maneira muito mais simples! Para piorar a situação, até os filhotes de chimpanzés se saíram melhor que isso: ponto para os peludos!

Amanhã será a prova de bioengenharia. Não é permitido abrir a alavanca, nem pense em sugerir uma nova forma de se abrir a porta. Tentei fazer isso nos Relatórios e me dei mal. Ninguém está interessado em formar engenheiros, estão mesmo interessados em adestrar estudantes. E é isso que estamos formando: estudantinhos de imitação.

E você diz: "Mas você disse que gostava!". Ora, e como! Cada experimento é um milagre (especialmente quando dá certo). A oportunidade de observar a obra divina mais de perto, de ver um novo detalhe e imaginar como essas bactérias são espertas, como a criação é completa... como não gostar? Mas "experiência é farol para trás". Descobrir a roda não intitula ninguém a ensinar como desenvolver um motor. Deixe as crianças em paz. Deixe o rio correr para o mar.

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